UMA HISTÓRIA DE MILITÂNCIA E COERÊNCIA - Fernando kabral


UMA HISTÓRIA DE MILITÂNCIA E COERÊNCIA  

Sou um homem de quase 60 anos. Alô, trinta de maio, tô chegando para o sessentão! Sempre trabalhei. Sou um viciado em trabalho, um paulistano raiz, um peão de fábrica, desses que acordam cedo, pegam busão lotado e botam o corpo pra jogo. Nunca trabalhei só por dinheiro. Trabalhar me faz sentir vivo. Fui moldado assim. E, como sempre fiz o que gosto, fiz com amor e com dedicação.  

Ao longo da vida, me envolvi com comunicação, coleta de dados, televisão, novelas, teatro. Fui camelô também, lá em São Paulo. Minha trajetória foi rica em experiências e culturas, mas em todas elas eu nunca deixei de militar. Onde quer que estivesse, estava militando, fosse em São Paulo, no Rio, em Curitiba. Em Olinda não seria diferente. Sempre estive nas ruas, protestando, denunciando absurdos da política institucional, lutando nossas lutas e atendendo aos chamados do meu partido. Sempre fui militante, mas nunca me envolvi na política de cidade pequena, essa política de vaidades que parece grandiosa para quem está dentro da bolha. Do lado de fora, a realidade é outra.  

Quando cheguei em Olinda, fui camelô na praia. Vendia meus cocos verdes, curtia o mar, e aos poucos fui montando meu puxadinho, com bandeiras do PT e das causas que sempre defendi. Durante oito anos, em que lá estive, aquele ponto de venda na Praia do Zé Pequeno foi também uma trincheira política. Organizávamos atividades, conversávamos com o povo, defendíamos ideias. E foi ali, já com o corpo mais cansado fisicamente pela idade e pela saúde, que recebi um chamado, um chamado "divino", pelo menos pareceu na época, para participar da política local.  

Aceitei. Entrei de cabeça. "Regaça as mangas, vamos à luta, o partido está ao teu lado!" Me senti honrado. Usaria meu conhecimento em comunicação a serviço da militância, como sempre fiz, e foi por isso que recebi o convite. Sempre banquei financeiramente minhas lutas. Nunca precisei de partido para ser militante. Quando fui remunerado pela fundação, parte daquele dinheiro investi na campanha municipal: almoços, transporte, tudo custeado com meu próprio suor.  

Assinamos um "termo voluntário" sem aviso prévio. Só tomamos conhecimento no dia, para surpresa de alguns, numa reunião travestida de divisão de comunicação de base e rede, ali atrás do Shopping Patteo, com várias testemunhas. Abrimos mão de tudo, foi uma bela jogada, politicamente falando. Fizemos "por amor". Quando chegou setembro, fomos exonerados. Em outubro, já sem salário. Justamente no auge da campanha, sem aviso, sem acolhimento. Um abandono completo. Passei dificuldades, até para comprar uma água mineral na rua, mas o obstáculo só me deu mais força.  

Ainda assim, continuei na campanha com ajuda de muitos companheir@s, continuei nas atividades, nunca saí da rede, inclusive pagas pelos companheiros de luta. Porque, para a maioria de nós, a campanha era o mais importante. Mesmo passando por humilhações dentro do nosso próprio "quartel" em Peixinhos, um espaço onde deveríamos ter sido recebidos como soldados voltando da batalha. Aquilo não se apaga. Aquilo está cravado no peito e na memória viva, embora muitos já tenham convenientemente esquecido. Foi a pior campanha da qual participei. Bons tempos em que éramos pão com ovo. Aprendi tudo que não se deve fazer politicamente: o silêncio, a omissão. Tomei todo cuidado para não ser preso, que, se bobear, eu teria mofado na cadeia.  

Mas, mesmo nesse inesquecível caos, encontrei alegrias. Fiz novos amigos. Vi brilho nos olhos de gente que acreditava na mudança. Só que erramos, e erramos feio. Subimos no salto, gritamos "já ganhou" antes da hora. Perdemos para nós mesmos, apesar dos fatores externos. Faltou escuta, faltou humildade e, principalmente, estratégia de jogo.  

Naquela eleição, decidi não participar da campanha de nenhum vereador. Entendia que todos tinham competência e história para estar ali. Sem contar o fato de que acreditei estar em família e de que ser militante bastaria. Também porque sabia que, depois da eleição, aqueles que se atacavam estariam se abraçando no próximo pleito. Essa politicagem não me representa. Esse fingimento, essa encenação de unidade. É por isso que nunca quis me envolver com política partidária interna. Sempre fui da base. Sempre fui do povão. Confio na força da rede, embora muitos insistam no negacionismo digital. Política se faz com pé no chão e estratégia na rede, mas alguns ainda subestimam o poder da política nas nuvens.  

Agora, o jogo recomeça com o PED. E com ele, as facas nas costas. Quem era inimigo agora é aliado. Quem julgava e condenava agora se beija. E eu pergunto: quem sou eu? Quem somos nós? A gente muda de opinião, de caráter, conforme o vento das convenções?  

Apesar de tudo, respeito a hierarquia do partido. Seja quem for a força eleita, terá meu reconhecimento. Democracia se respeita. Mas exijo o direito de dizer: falta escuta. Falta base. Falta partir do chão onde o povo pisa. A política em que acredito se constrói de baixo para cima, e não na disputa de vaidades entre os que acham que "o meu é maior do que o seu".  

**Após décadas vivendo necessidades e atuando apenas como militante de base, ao chegar em Olinda me envolvi com a política de uma forma diferente.**  

Hoje, em nome de uma liderança que admiro há muito tempo e que sempre lutou as minhas lutas, mesmo nos momentos difíceis, decidi apoiar uma chapa. E aqui estamos nós, "vamos unir para avançar". Sei que isso traz pedras. Sei que serei olhado de lado. Mas sigo de cabeça erguida. Não vou fingir que minha história não existiu. Apoio quem sempre caminhou junto. Não vou abraçar causas ou pessoas que não me representam.  

Minha história está escrita nas ruas, nas redes, nos blogs, nas salas de pensamento. Quem quiser, que leia. Quem quiser, que respeite. Porque tudo que fiz, foi por amor à militância.  

Hoje à tarde, parei ali na praça de Rio Doce, na frente da padaria. Senti o cheiro do pão. E não tinha uma moeda no bolso pra comprar. Você tem noção do que é isso?  

A expressão “torturante Band-Aid no calcanhar” ganha ainda mais força pra mim nesse contexto. Ela representa essa falta de empatia de quem, distante da realidade da base, tenta falar em nosso nome. É como um curativo mal colocado: não trata a ferida, só cobre, de forma incômoda, uma dor que continua ali, viva.  

Essa dor que eu senti, de querer algo tão simples e não poder, é concreta, é cotidiana, é minha e é de muitos. Muitos estão cegos, e nessa disputa de egos, vaidades, alianças oportunistas e silêncios coniventes dentro do próprio campo da esquerda, só afastam ainda mais as pessoas que acreditaram. Que acreditam. Que continuam acreditando, mesmo com o estômago vazio e o coração ferido.  

A nossa luta não é só por um pedaço de pão. É por dignidade. E dignidade só existe quando quem representa, sente, vive e caminha junto com a base. Não de cima, mas do lado.  

---

**Fernando Kabral**  
Olinda, 11 de maio de 2025 - 23:34  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Bolsonaro, o “Cidadão” Indesejado: quando a vergonha toma assento na Câmara de Olinda (PE)

Sem querer entrar na polêmica da camisa vermelha… e já entrando.

Todo Dia É Dia de Índio: 19 de Abril, Dia dos Povos Originários Salvem os povos imaginários, porque são reais, vivos, e seguem resistindo.